Papa em Assis: combater poluição da indiferença com oxigênio do amor

Em sua meditação, o
Pontífice refletiu sobre as palavras que ressoam ao contemplar Jesus
crucificado: “Tenho sede!”
A sede é, ainda
mais do que a fome, a necessidade extrema do ser humano, disse o Papa, mas
representa também a sua extrema miséria. Não necessitamos somente de água, mas
sobretudo de amor, “elemento não menos essencial para se viver”.
Para Francisco, as
palavras de Jesus nos interpelam, pedem acolhimento no coração e resposta com a
vida. “Na sua exclamação ‘tenho sede’, podemos ouvir a voz dos que sofrem, o
grito escondido dos pequenos inocentes a quem é negada a luz deste mundo, a
súplica instante dos pobres e dos mais necessitados de paz”, disse o Papa.
E prosseguiu:
“Imploram paz as vítimas das guerras que poluem os povos de ódio e a terra de
armas; imploram paz os nossos irmãos e irmãs que vivem sob a ameaça dos
bombardeamentos ou são forçados a deixar a casa e emigrar para o desconhecido,
despojados de tudo”.
O Pontífice
recordou que todos eles são membros feridos e sedentos da carne de Cristo. Têm
sede, mas, como Jesus, recebem o “vinagre amargo da rejeição”. São vítimas que
muitas vezes se deparam com o silêncio ensurdecedor da indiferença, com o
egoísmo de quem se sente incomodado, “com a frieza de quem apaga o seu grito de
ajuda com a mesma facilidade com que muda de canal na televisão”.
Perante essas
vítimas, exortou o Papa, os cristãos são chamados a ser “árvores de vida”, que
absorvem a poluição da indiferença e restituem ao mundo o oxigênio do amor.
“Conceda-nos o
Senhor estar unidos a Ele e próximos de quem sofre. Ele nos guarde a todos no
amor e nos congregue na unidade, para nos tornarmos o que Ele deseja: ‘um só’”,
foi a súplica final do Pontífice.
Eis o
pronunciamento do Santo Padre na íntegra:
"À vista de
Jesus crucificado, ressoam também para nós as suas palavras: «Tenho sede!» (Jo
19, 28). A sede é, ainda mais do que a fome, a necessidade extrema do ser
humano, mas representa também a sua extrema miséria. Assim contemplamos o
mistério do Deus Altíssimo, que Se tornou, por misericórdia, miserável entre os
homens.
De que tem sede o
Senhor? Certamente de água, elemento essencial para a vida; mas sobretudo de
amor, elemento não menos essencial para se viver. Tem sede de nos dar a água
viva do seu amor, mas também de receber o nosso amor. O profeta Jeremias
expressou o comprazimento de Deus pelo nosso amor: «Recordo-Me da tua
fidelidade no tempo da tua juventude, dos amores do tempo do teu noivado» (Jr
2, 2). Mas deu voz também ao sofrimento divino, quando o homem, ingrato,
abandonou o amor, quando – parece dizer também hoje o Senhor – «Me abandonou a
Mim, nascente de águas vivas, e construiu cisternas para si, cisternas rotas,
que não podem reter as águas» (Jr 2, 13). É o drama do «coração árido», do amor
não correspondido; um drama que se renova no Evangelho, quando, à sede de
Jesus, o homem responde com vinagre, que é vinho estragado. Como profeticamente
lamentou o salmista, «deram-me (…) vinagre, quando tive sede» (Sal 69/68, 22).
«O Amor não é
amado»: tal era, segundo algumas crónicas, a realidade que turvava São
Francisco de Assis. Por amor do Senhor que sofre, não se envergonhava de chorar
e lamentar-se em voz alta (cf. Fontes Franciscanas, n. 1413). Esta mesma
realidade nos deve estar a peito ao contemplarmos Deus crucificado, sedento de
amor. Madre Teresa de Calcutá quis que, nas capelas de cada comunidade,
estivesse escrito perto do Crucifixo: «Tenho sede». Apagar a sede de amor de
Jesus na cruz, através do serviço aos mais pobres dos pobres, foi a sua
resposta. Na verdade, o Senhor é saciado pelo nosso amor compassivo; é
consolado quando, em nome d’Ele, nos inclinamos sobre as misérias alheias. No
Juízo, chamará «benditos» aqueles que deram de beber a quem tinha sede, aqueles
que ofereceram amor concreto a quem estava necessitado: «Sempre que fizestes
isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25,
40).
As palavras de
Jesus interpelam-nos, pedem acolhimento no coração e resposta com a vida. Na
sua exclamação «tenho sede», podemos ouvir a voz dos que sofrem, o grito
escondido dos pequenos inocentes a quem é negada a luz deste mundo, a súplica
instante dos pobres e dos mais necessitados de paz. Imploram paz as vítimas das
guerras que poluem os povos de ódio e a terra de armas; imploram paz os nossos
irmãos e irmãs que vivem sob a ameaça dos bombardeamentos ou são forçados a
deixar a casa e emigrar para o desconhecido, despojados de tudo. Todos eles são
irmãos e irmãs do Crucificado, pequeninos do seu Reino, membros feridos e
sedentos da sua carne. Têm sede. Mas, frequentemente, é-lhes dado, como a
Jesus, o vinagre amargo da rejeição. Quem os ouve? Quem se preocupa em responder-lhes?
Deparam-se muitas vezes com o silêncio ensurdecedor da indiferença, o egoísmo
de quem se sente incomodado, a frieza de quem apaga o seu grito de ajuda com
mesma facilidade com que muda de canal na televisão.
À vista de Cristo
crucificado, «poder e sabedoria de Deus» (1 Cor 1, 24), nós, cristãos, somos
chamados a contemplar o mistério do Amor não amado e a derramar misericórdia
sobre o mundo. Na cruz, árvore de vida, o mal foi transformado em bem; também
nós, discípulos do Crucificado, somos chamados a ser «árvores de vida», que
absorvem a poluição da indiferença e restituem ao mundo o oxigénio do amor. Do
lado de Cristo, na cruz, saiu água, símbolo do Espírito que dá a vida (cf. Jo
19, 34); do mesmo modo saia de nós, seus fiéis, compaixão por todos os sedentos
de hoje.
Como a Maria ao pé
da cruz, conceda-nos o Senhor estar unidos a Ele e próximos de quem sofre.
Aproximando-nos de quantos vivem hoje como crucificados e tirando a força de
amar do Crucificado Ressuscitado, crescerão ainda mais a harmonia e a comunhão
entre nós. «Com efeito, Ele é a nossa paz» (Ef 2, 14), Ele que veio anunciar a
paz àqueles que estavam perto e aos que estavam longe (cf. Ef 2, 17). Ele nos
guarde a todos no amor e nos congregue na unidade, para nos tornarmos o que Ele
deseja: «um só» (Jo 17, 21)".
(Radio Vaticano)